Vagueio nas ruas de uma cidade solitária. Olho para os candeeiros que iluminam as ruas da calçada. É raro que alguém erga os olhos enquanto caminha para observar os altos candeeiros. São eles que, imponentes, nos afastam da total escuridão da noite e nos permitem ver onde colocamos os pés.
Depois do jantar, gosto de caminhar e saio vestido com o meu comprido casaco preto. Desta forma, dou menos nas vistas aos traseuntes que passam por mim de vez em quando, e é assim que quero caminhar, como se não existisse para os olhos alheios, mas estes não escapam ao meu olhar, mesmo que também estejam vestidos de negro. Na sua maioria, caminham com os olhos cravados no chão, sentindo-o nos pés apenas como um meio para chegar a algum destino. E assim é com todos aqueles que passam por mim.
As ruas da calçada onde caminho estão gastas e brilham como espelhos devido à geada que caiu sobre elas. O frio que se faz sentir corta o rosto, mas não desisto de mais um passeio nocturno que sempre ocupa os meus olhos e as minhas emoções.
Dependuradas das folhas das árvores de Outono, a geada elabora pingas em forma de lágrimas, que muito lentamente vão descendo até cairem sobre a terra do chão já molhada. No meu catálogo de pingos em forma de lágrimas, já arquivei as das folhas árvores que se formam com a geada. Também acrescentei aquelas que escorrem das pedras molhadas da calçada e que depois se vão juntar a outras e assim vão formando os cursos de água nas bermas dos passeios. Junto com estas tenho as das flores silvestres dos jardins de rua, as dos telhados que pingam incessantemente quando chove, as do meu guarda-chuva e outras tantas pingas em formas de lágrimas que se tornaram vulgares pela sua cadência previsível.
O passeio pode ser longo, mas os passos são lentos, tal como todos aqueles que não têm pressa de chegar a lugar algum. Atento a surpresas, os meus olhos pestanejam lentamente, para que possam reter algo que não observaram no dia anterior. O frio desta noite em que caminho cria-me lágrimas nos olhos, como uma reacção física de protecção, mas estas também já tenho catalogadas. São aquelas que são isentas e se derramam sem emoções. São espontâneas como uma reacção à temperatura do ar.
Numa data que prefiro não referir, vi alguém que eu muito amava partir deste mundo e foi nesse momento que comecei a perceber o que eram lágrimas incontroláveis, que jorravam como o fluxo de sangue invisível do coração. Eu tinha apenas quinze anos quando isso aconteceu. Considerava o futuro impossível sem a presença dessa pessoa e das suas palavras doces, mas a sua partida não dependeu de mim e, como mais tarde alguém me explicou: a vida é assim! Mais tarde ou mais cedo perdemos todos os que amamos, mas a ironia do destino é que percebi nessa altura que os outros também nos perdem e que nunca é fácil dizer adeus a quem se ama, seja em que circunstância for.
Foi a partir daquele momento, em que observei as plantas dos parapeitos lá de casa, que começou toda a minha aventura de arquivar lágrimas.
Depois o tempo secou e cristalizou as minhas lágrimas e deixou uma cicatriz no coração. A ferida sarou, e as memórias tornaram-se menos dolorosas. Aprendi a viver com a realidade da sua ausência física, mas com a sua presença no coração. E foi então que as lágrimas de dor que derramei ao longo do tempo, passaram a ser de saudade.
Conheci a dor profunda para conhecer as lágrimas.
O tempo tudo sarou e fez adormecer o que sentía ser impossível de acalmar. Nasceu em mim a sensação de um eterno abraço que me aquecia e protegia da má sorte.
Depois de arquivar muitas lágrimas, continuo a observar o mundo à minha volta, mas nenhuma lágrima foi ou será comparável às que se cristalizaram dentro de mim.