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02/10/10

Solidão

Solidão não é a falta de gente para conversar, namorar, passear ou fazer sexo...
isto é carência.



Solidão não é o sentimento que experimentamos pela ausência de entes queridos que não podem mais voltar...
isto é saudade.


Solidão não é o retiro voluntário que a gente se impõe, às vezes, para realinhar os pensamentos...
isto é equilíbrio.


Solidão não é o claustro involuntário que o destino nos impõe compulsoriamente para que revejamos a nossa vida...
isto é um princípio da natureza.


Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado...
isto é circunstância.


Solidão é muito mais do que isto.


Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma.


Francisco Buarque de Hollanda

05/09/10

Arquivador de Lágrimas

Vagueio nas ruas de uma cidade solitária. Olho para os candeeiros que iluminam as ruas da calçada. É raro que alguém erga os olhos enquanto caminha para observar os altos candeeiros. São eles que, imponentes, nos afastam da total escuridão da noite e nos permitem ver onde colocamos os pés.

Depois do jantar, gosto de caminhar e saio vestido com o meu comprido casaco preto. Desta forma, dou menos nas vistas aos traseuntes que passam por mim de vez em quando, e é assim que quero caminhar, como se não existisse para os olhos alheios, mas estes não escapam ao meu olhar, mesmo que também estejam vestidos de negro. Na sua maioria, caminham com os olhos cravados no chão, sentindo-o nos pés apenas como um meio para chegar a algum destino. E assim é com todos aqueles que passam por mim.

As ruas da calçada onde caminho estão gastas e brilham como espelhos devido à geada que caiu sobre elas. O frio que se faz sentir corta o rosto, mas não desisto de mais um passeio nocturno que sempre ocupa os meus olhos e as minhas emoções.

Dependuradas das folhas das árvores de Outono, a geada elabora pingas em forma de lágrimas, que muito lentamente vão descendo até cairem sobre a terra do chão já molhada. No meu catálogo de pingos em forma de lágrimas, já arquivei as das folhas árvores que se formam com a geada. Também acrescentei aquelas que escorrem das pedras molhadas da calçada e que depois se vão juntar a outras e assim vão formando os cursos de água nas bermas dos passeios. Junto com estas tenho as das flores silvestres dos jardins de rua, as dos telhados que pingam incessantemente quando chove, as do meu guarda-chuva e outras tantas pingas em formas de lágrimas que se tornaram vulgares pela sua cadência previsível.
O passeio pode ser longo, mas os passos são lentos, tal como todos aqueles que não têm pressa de chegar a lugar algum. Atento a surpresas, os meus olhos pestanejam lentamente, para que possam reter algo que não observaram no dia anterior. O frio desta noite em que caminho cria-me lágrimas nos olhos, como uma reacção física de protecção, mas estas também já tenho catalogadas. São aquelas que são isentas e se derramam sem emoções. São espontâneas como uma reacção à temperatura do ar.

Numa data que prefiro não referir, vi alguém que eu muito amava partir deste mundo e foi nesse momento que comecei a perceber o que eram lágrimas incontroláveis, que jorravam como o fluxo de sangue invisível do coração. Eu tinha apenas quinze anos quando isso aconteceu. Considerava o futuro impossível sem a presença dessa pessoa e das suas palavras doces, mas a sua partida não dependeu de mim e, como mais tarde alguém me explicou: a vida é assim! Mais tarde ou mais cedo perdemos todos os que amamos, mas a ironia do destino é que percebi nessa altura que os outros também nos perdem e que nunca é fácil dizer adeus a quem se ama, seja em que circunstância for.

Foi a partir daquele momento, em que observei as plantas dos parapeitos lá de casa, que começou toda a minha aventura de arquivar lágrimas.

Depois o tempo secou e cristalizou as minhas lágrimas e deixou uma cicatriz no coração. A ferida sarou, e as memórias tornaram-se menos dolorosas. Aprendi a viver com a realidade da sua ausência física, mas com a sua presença no coração. E foi então que as lágrimas de dor que derramei ao longo do tempo, passaram a ser de saudade.

Conheci a dor profunda para conhecer as lágrimas.

O tempo tudo sarou e fez adormecer o que sentía ser impossível de acalmar. Nasceu em mim a sensação de um eterno abraço que me aquecia e protegia da má sorte.

Depois de arquivar muitas lágrimas, continuo a observar o mundo à minha volta, mas nenhuma lágrima foi ou será comparável às que se cristalizaram dentro de mim.





03/08/10

Reflexão



Como se retoma a vida que se tinha outrora?
Como se continua a viver quando, lá no fundo do coração,
se começa a perceber que não se pode voltar atrás?
Que há coisas que o tempo não cura...
Algumas feridas são tão profundas, que perdurão para sempre...


Frodo Baggins in Senhor dos Anéis de JRR Tolkien

15/05/10

Canção...


Não é erro, meu irmão, é a realidade, um mundo inteiro cheio de raiva e solidão.
Olha! existe tanta estupidez, irmão, e todos querem tudo fácil e rápido.
O homem só se pode mudar a si próprio e depois ver que mudou um mundo.
Existem tantas portas que nós nunca abrimos.
Será que vamos acordar amanhã e ver que existe um buraco no lugar do nosso coração?
Eu não consigo ver a luz, irmãos e irmãs, temos de nos levantar e viver.
Estamos sem dormir e queremos que as coisas finalmente acabem,
pois o que tu agora não compreendes, provavelmente nunca compreenderás.
Quantos anos nos restam?
Ninguém quer estar sózinho.
Uma pessoa é uma pessoa, e que diferença existe entre sangue e sangue?
O que interessa que tu dividas o mundo entre "nós" e "eles", e em "para nós" e "contra eles"?
A terra está triste, a terra chora...


Muki, cantor rap israelita.

03/02/10

Os momentos que não queremos repetir...



Os que chorámos com dor no coração
Os que foram ensombrados por lembranças
Aqueles que foram esvaziados de sentido
Os do arrependimento pelas decisões erradas
Os do dizer adeus e morrermos por dentro
Aqueles em que nos sentimos cair no abismo
Os que nos traíram com sorrisos
Os das rugas que encontrámos no espelho
Aqueles em que sentimos falta de inocência
Os que pensámos durarem para sempre
Os que deixámos de contar no calendário
Aqueles em que o dia se tornou noite
Os que enfeitámos de ilusões
Os que brilharam só de aparência
Aqueles em que magoámos com palavras
Os que sentimos a maior das solidões
Os que nos tornámos covardes
Aqueles que nos sentenciaram sem recurso
Os que nos sentimos perder tempo
Os que não tivemos tempo para nada
Aqueles em que um não foi a única resposta
Os que sentimos não poder voltar atrás
Os que não colhemos o que plantámos
Aqueles em que desmoronámos como vidro quebrado
Os que nada nos sobrou para repartir
Os que nos esquecemos de nós,
E de tudo o que tivémos por Verdadeiro
E por obra do destino se tornou falso...




31/01/10

Vale a pena pensar nisto...




Vale a pena pensar que

Cada acordar é um milagre,

Cada olhar é um destino,

Cada ruga é a marca de uma dor ou de um sorriso...


Vale a pena olhar para dentro de nós

Para nos observármos sem espelho,

Ouvirmos a voz que fala sem palavras,

Deixarmos que o silêncio seja uma resposta...


Vale a pena estar atento às lágrimas

Às suas formas luzídias que iluminam o nosso rosto,

À transparência da água que marca só por dentro,

Ou à sua ausência que corrói o coração...


Vale apena sentir o céu sobre nós

Olhar o tecto do mundo pejado de estrelas,

Ou de nuvens que nos cobrem como algodão,

E que não nos abate, mas nos eleva...


Vale a pena pisar o chão da terra molhada

Sentir penetrar no corpo o aroma das árvores,

Abrir os braços para o vento que vagueia,

Entrelaçar nos dedos o orvalho da manhã...


Vale a pena ler duas vezes um livro que nos surpreende

Da primeira ler as palavras que estão escritas,

Da segunda ler o que ficou por escrever,

E finalmente perceber porque nos tocou tanto por dentro...

Vale a pena ter uma frase nova para cada dia

Perceber que uma oração faz a diferença

Adquir o hábito de rezar em silêncio,

Ser intímo de Algo em que acreditamos...


Vale a pena ser humilde sem ser servo

Tendo mais sorrisos no rosto do que palavras,

Ser grato de cabeça erguida e firme,

Agradecendo cada gesto gratuíto e simples...


Vale a pena perceber quem não fala

Que a ausência de palavras não é antipatia,

Que a dor pode ser profunda e não se expressa,

Ou que já se disse tudo sem voz...


Vale a pena dizer adeus a cada dia que passa

E abrir os braços a uma nova alvorada।

Porque cada amanhecer é um milagre,

É uma nova luz que nos invade...



Maria