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10/12/08

Retalhos da vida de um banco de jardim


Sou um banco de jardim. Quando era novo fui pintado de verde musgo e colocado num jardim público para servir de descanso aos que passeavam por ali e para decorar um espaço verde onde estavam outros bancos colocados, tal e qual iguais a mim. As sombras das altas árvores espraiavam-se sobre mim e o vento fazia-as oscilar como um manto acolhedor. O Sol também me aquecia, mas este foi corroendo a minha cor verde musgo e hoje sou uma mistura de tons acinzentados e verdes desfalecidos. A chuva molhou-me muito e penetrou nos poros da minha madeira tornando-me menos atraente. Mas quando era novo e as pessoas passavam à minha frente, escolhiam-me para se sentarem. As crianças pulavam sobre mim com sapatinhos de boneca e por vezes as rendas dos seus vestidos faziam-me festas agradáveis. Também os casais de namorados me escolhiam e ali ficavam a sussurrar segredos que eu ouvia e guardava para mim, mas passado algum tempo eles levantavam-se e iam para outro lugar qualquer deixando a história incompleta. E eu ali ficava, a imaginar o que iria suceder a seguir.
Fui poiso para muitos solitários, cujos pensamentos vagueavam longínquos e os transportavam para os lugares das suas esperanças, e apenas ali ficavam os corpos sentados sobre as minhas formas curvadas.
O Inverno era sempre infindável, porque quase ninguém se sentava sobre mim. Ficava molhado e com um aroma a humidade que só desaparecia quando eu secava na Primavera.
Em algumas noites acolhi sonhos de um qualquer mendigo que vagueava por ali. Apareciam alguns que me procuravam apenas para dormir e eu acolhia-os. Não tinha outro remédio senão ficar ali a noite inteira sendo os braços de um solitário sem casa. De manhã, doía-me o assento, mas o pobre lá se levantava e seguia o seu caminho, deixando-me a recuperar de uma noite mal dormida.
Mas do que eu gostava mesmo era da conversa daqueles homens que já há muito haviam deixado de trabalhar e em mim sentados passavam as tardes. Eu ouvia as histórias do passado e de como haviam sido as suas vidas. Falavam das glórias dos tempos de outrora, dos amores vividos e daqueles que nunca se concretizaram. Falavam dos filhos, da juventude de hoje e da pouca-vergonha dos tempos modernos. Eu ria por dentro. As conversas duravam horas e eu deleitava-me com elas. Eu ajudava-os a passarem o tempo, que agora nas suas vidas, apenas se resumia a momentos do dia: o amanhecer, o entardecer e o anoitecer, e neste último despediam-se das conversas do momento e prometiam voltar no dia seguinte, e isto se não estivesse muito frio ou muito calor para ali estar.
Os patos deslizavam sobre o lago á minha frente e a água desenhava efeitos em redemoinho.
Um dia destes, um grupo de pessoas sentou-se sobre mim. Falavam e cantavam muito alto. Eu não percebia o que eles diziam, e todos eles me pareceram fora de si. De súbito, começaram a pular sobre mim e a minha madeira começou a ceder. Aos poucos, a madeira foi ficando despregada e eu fui partindo pelo meio. Mas eles não se importavam com isso e continuaram a pular. A certo momento dividi-me em dois.
De manhã o jardineiro chegou e viu-me naquele estado. Chamou alguém responsável por mim e passadas algumas horas levaram-me dali para uma oficina qualquer para ser reparado. Duvido que o seja, porque estou velho, sem cor e sem graça. Mas tenho a memória intacta e essa viverá nem que eu arda numa lareira qualquer.

02/10/08

Candeeiro de Rua


Sou um candeeiro de rua. Fui colocado num dos lados do passeio que ladeia uma calçada. Durante o dia, a minha função é apenas decorativa, pois o meu verdadeiro trabalho começa a partir das sete horas da tarde. Com a ajuda de uma lâmpada enorme, ilumino a velha calçada e todos os que por ali passam durante a noite.
As noites na calçada são como breu. Alguns metros mais à frente existem outros candeeiros de rua, mas eu sou essencial naquele pedaço onde fui colocado, pois a minha luz entra por algumas janelas adentro do prédio de três andares que fica mesmo á minha frente. No segundo andar mora a Maria. Eu sei sempre quando ela sai de casa e a que horas volta. De manhã, quando me apagam a lâmpada, ela sai da porta principal do prédio e à noite ela vem caminhando devagar pela calçada. E é à noite que ela abre a janela de par em par, a que vira mesmo para mim. Ela não acende a luz naquele quarto, pois eu ilumino-o por completo.
A ida e a volta da Maria são os momentos do dia mais importantes para mim, porque sei que é a única que repara o quão alto sou, pois chego até á altura da sua janela e a minha luz ilumina-lhe todo o quarto.
Durante o dia, vou reparando em quem passa na calçada. Como o meu pescoço não é flexível, não o posso virar muito, mas sei se está o céu limpo pelas cores da pedra que se reflectem do chão, e sei quando chove, porque as pingas do céu caem sobre mim e a seguir escorregam para baixo. Não sei se está frio ou calor, pois sou feito em ferro forjado e fui pintado de preto. Alguns traseuntes tiram-me fotografias, como se eu fosse uma peça de museu. Mas soube pelo candeeiro vizinho, com quem falo quando há vento, que o nosso modelo de candeeiro só existe naquela calçada e, porque somos poucos e muito antigos, somos quase uma relíquia.
Bem, na verdade, naquela calçada, dizem, tudo é antigo, desde as pedras romanas do chão, até às casas de pedra com janelas pequenas. Sei que a Maria mora num prédio que outrora fora uma albergaria e que depois alguém transformou em casas para habitação. Era estranho como a Maria era ainda tão jovem e vivia numa casa tão antiga! Eu, tinha de estar ali, mas ela não.
São sete horas da tarde e ela deve estar a caminho de casa. A minha lâmpada acendeu-se automáticamente, tal como o faz todos os dias. Vejo-a chegar, cabisbaixa, nada normal no comportamento dela. Habitualmente ela vem tranquila e de cabeça altiva, olhando sempre em frente. Quando passa por mim olha-me e sorri. Acho que sou uma companhia tranquila e uma presença familiar para ela. Mas hoje ela não olhou. Limitou-se a entrar no prédio e a fechar a porta. A janela foi aberta de par em par e a minha luz entrou no seu quarto. Ficou à janela, debruçada no parapeito, pensativa. Como eu gostaria de ter braços para chegar até lá...
O vento começou a soprar forte e algumas pingas começaram a cair sobre mim. A Maria fechou a janela do seu quarto. Devia estar a sentir frio. Uma forte trovoada soou pelo ar. Nas bermas da calçada a chuva corria como pequenos rios e lavava as pedras romanas deixando-as como espelhos. Os trovões soavam como vozes zangadas e os clarões dos relâmpagos iluminavam sinistramente os fantasmas das casas sem luz.
A minha lâmpada, a certo ponto, apagou-se e a noite naquele lugar tornou-se num manto negro por todo o lugar da calçada.
O som da forte chuvada concorria com o dos trovões que iam amainando aos poucos.
A tempestade estava a passar, mas a minha luz fundira-se, tal como a dos outros candeeiros meus vizinhos. Maria não tinha vindo mais à janela naquela noite. Também não teria mais a minha luz no seu quarto. Sei que lhe faço falta e essa é a minha única preocupação. Espero que ela esteja bem sem a minha luz!
O dia seguinte acordou radioso, nem parecendo ter testemunhado tempestade alguma. Vi a Maria sair mais cedo nessa manhã. Levava consigo um longo rolo de papel e ia apressada.
Os homens do lixo vieram recolher o que a chuva intensa tinha arrastado consigo. Falavam da dificuldade de entrar com o carro da recolha naquela rua de calçada romana. «Em breve isto vai mudar!», dizia um deles!
E eu perguntei-me o que iria mudar. De momento, o que era mesmo necessário era mudarem as lâmpadas fundidas dos candeeiros da calçada, mas até ao momento ninguém viera fazê-lo.
Passaram-se alguns dias e as lâmpadas não foram substituídas. Numa certa manhã Maria saiu de casa carregando duas malas. Ia partir, mas para onde e porquê? Comecei a ouvir um som ensurdecedor de máquinas gigantes com grandes pás de dentes afiados e sei que eram de cor amarela porque passaram à minha frente. «Selaram a calçada de lés a lés!», disse o candeeiro meu vizinho.
Os homens chegaram e deixaram ficar as máquinas amarelas estacionadas na calçada. Seria difícil adivinhar o que se passava. Para além de ninguém ter substituído as nossas lâmpadas, agora vinham e entravam pela calçada adentro com um barulho ensurdecedor, como se nada do que ali estivesse importasse. Queria poder falar e dizer áqueles homens que as suas máquinas estão a ocupar o espaço onde as pessoas param e me tiram fotografias, que estão a barrar a passagem da Maria e a estragar as pedras polidas da calçada. Pobres pedras da calçada!
O candeeiro meu vizinho surpreendeu-me quando me perguntou se eu sabia o que estava a suceder por ali. Disse-lhe que não sabia de nada. «Pois é... - começou ele - estás sempre a olhar para a Maria ou para quem passa! Nem te apercebes do que se passa à tua volta! Eu já sei que vão arrancar as dez mil pedras desta calçada e que as vão substituir por alcatrão!»
Não tive coragem para dizer nada. Fiquei a olhar para as pobres pedras da calçada e a imaginar o ser que teria ordenado que as substituíssem por uma carpete negra. Isto era inadmissível! Mas o que sou eu para reclamar? Um candeeiro nunca faz tenção de sair do mesmo lugar! Talvez tente o impossível para que o tempo passe, tentando contar as gotas de chuva que caem, ou os grãos de areia que o vento traz. Mas há um candeeiro nesta calçada que sempre saberá as pedras que irão arrancar. E todos nós sabemos já que ao invés de pedras antigas e com história teremos um manto negro á nossa frente, para o resto das nossas vidas, e isto se não decidirem também mudar-nos de lugar. Vão arrancar a nossa calçada e nem sequer substituíram as nossas lâmpadas! Vamos todos perder com a vinda das máquinas amarelas e eu irei perder a minha razão de viver: a Maria, que já se foi embora e as pedras da calçada! E, sinceramente, já nem quero uma lâmpada nova!

22/09/08

Aquele Destino...


Lá ao longe, no meio da multidão,
Avistei uns olhos, eram os teus!
No meio de tanta gente,
De uma multidão ausente,
Eu sabia que eras tu!
Nem sabes onde vais,
Porque teimas em fugir.
Não irei atrás de ti,
E se aqui me perdi,
Foi atrás dos olhos teus!
Tracei assim, a espera demorada.
De sol nascente a poente,
De lembranças eu dormia,
E de noite apenas via,
O teu rosto do meu lado.
Não vale a pena esperar,
Por quem nunca será meu.
Recordo apenas teus olhos,
As lembranças são aos molhos,
Esqueci aquele caminho.



Maria

01/09/08

A Sombra

Fizes-te do teu o meu caminho;
Sem perceberes, eu era a tua esperança,
Rodeada de beirais formosos,
Onde não cabem riachos de tristeza.
Fizes-te de mim a tua poeta, que te canta,
e te encanta com a luz das palavras.
Fizes-te dos meus olhos o teu reflexo,
Como o brilho do Sol que te queima,
E que te aqueçe nas noites mais frias.
Fizes-te dos teus os meus fantasmas
Que me visitam em sonhos,
A quem procuro não dar guarida.
Fizes-te dos meus braços o teu conforto,
Sem te aperceberes que tudo não abarcavam,
E que expiavam de cansaço quando adormecias.
Fizes-te das tuas noites os meus dias,
E dos teus dias as minhas noites,
Para que não existisse escuridão do teu lado.
Fizes-te com que o teu coração
Fosse completo em mim e não em pedaços nos dois
Para que, pelo menos, um sobrevivesse.
Se crês em tudo isto, vale a pena viver do teu lado.
Mas, tal como a andorinha regressa na primavera,
Irá querer partir no outono.
O seu ninho fica para quando voltar,
Porque sempre será primavera no seu coração.

Maria

20/08/08

Coração Remendado

Não gosto de aproximar-me de um coração despedaçado com palavras, pois uma só sentença que diga pode fazê-lo quebrar-se de vez. Sem palavras adequadas, prefiro aproximar-me em silêncio e deixar que o tempo o ajude a sarar. Tal como ninguém deve remendar vestido novo com pano velho, pois este repuxa o novo e torna-o pior que antes, não quero ver um coração quebrar-se por causa dos meus velhos hábitos. Se aprendi que o coração sente de determinada forma e me determino a pensar que é a mais certa, então serei como as estátuas de pedra que não quebram e ali ficam ao sabor do vento e da chuva. Prefiro esvaziá-lo do que o oprime e depois enchê-lo de novo. Se alguém o remendar muitas vezes, ele ficará sem graça, tal como uma bola de trapos que as crianças abandonam porque está velha. Quando o coração está demasiado rememdado, passam a contar-se as suas costuras e espera-se que novas venham. A certo ponto, ele será como carpete velha que repuxa por todo o lado. Tal como não se deve encher barril velho com vinho novo, o coração deve ser limpo antes das águas límpidas entrarem. Um coração livre e limpo é como arrancar um fruto novo com o orvalho da manhã e comê-lo de seguida.

07/07/08

Coragem...



A força não provém da capacidade física e sim de uma vontade indomável.




Mahatma Gandhi

Foi um dos idealizadores e fundadores do moderno estado indiano e um influente defensor do Satyagraha (princípio da não-agressão, forma não-violenta de protesto) como um meio de revolução. Liderou mais de 250 milhões de hindus.
Mahatma significa uma grande alma. São os grandes Mestres de Sabedoria. O termo Mahatma também é utilizado na Índia como título de honra atribuído a pessoas cujos feitos são admirados.

29/06/08

Viagem ao redor dos outros...

Os meus olhos continuam sonhadores e longínquos, como sempre os conheci.
E este mundo que observo vai para além dos limites da minha visão. Atravessa os fiapos de nuvens e vai para além do horizonte. Penso que este é o olhar de quem já viveu algum tempo. Pertence a quem precisa aceitar que cada dia que passa é mais importante que os planos feitos a longo prazo.
Há um momento crítico e difícil de aceitar quando olho para a realidade: aquele em que compreendo que as pessoas que me magoaram e feriram em muitas ocasiões, foram importantes para o meu crescimento.
Portanto também escolho viajar até outras pessoas. Incluo nestas viagens principalmente aquelas que, em muitos momentos, me ajudaram a crescer.
Deixo todas estas reflexões a quem ainda sobre tempo para pensar nos outros, porque há quem valha a pena, porque há gente linda, mesmo estando distante, ou simplesmente porque não pode estar perto.


Maria

03/06/08

Coragem...


Venham, meus amigos
Não é tarde demais para procurar um mundo mais novo.
Eu estou decidido a navegar para lá do crepúsculo.
E embora não tenhamos a força de outrora,

que movia terra e céu,
Nós somos o que somos.
Idêntica têmpera de corações heróicos,
Tornados fracos pelo tempo e destino,
Mas fortes em determinação.
Lutar, procurar, encontrar, e não capitular.

Alfred Lord Tennyson

14/05/08

Lições de vida em coisas simples...


Algumas lições da vida aprendem-se nas coisas mais simples. O gesto heróico de quem tenta passar despercebido à maioria dos homens, fazem com que o homem se sinta grande e honrado em si mesmo. E ao terminar o trabalho que começou, orgulha-se de si mesmo e da luta que travou para o empreender. Resta-lhe, pois, fazer um brinde: aos medos que venceu, á vitória conseguida e ao trabalho concluído. Haverá mais honra do que esta? As tramas que venceu, não são mais do que o enredo da sua própria vida, materializado, até, na arte que imprime através dos seus dedos, tal como num bordado perfeito, concluído com esforço e levado até à exaustão.

13/04/08

A vida como um Rio...



Quando a corrente do rio for muito feroz e te empurrar, não deves lutar contra ela, pois é mais forte do que tu. E quando te arrastar deixa-te levar, pois não podes voltar para trás. Mas, á medida que vais sendo arrastado, vai-te desviando para a berma e aí agarra-te a algo que encontres para que te possas salvar. Tens aqui duas escolhas: deixares-te conduzir pela forte corrente e ir cair numa queda de água ou, pelo contrário, desviares-te da sua fúria e, mesmo com muita luta, encontrar um lugar de paz, mesmo estando já muito cansada. É aqui que algo de novo começa. A berma estará ali para te receber e não para te empurrar. Acudir-te-á da força do rio que não podes nem deves querer dominar.
Maria

07/02/08

A Casa da Floresta


Numa remota região da Bretanha, o círculo secreto de sacerdotisas druidas preserva os antigos rituais de aprendizagem, cura e magia contra o Império Romano, um poderoso dominador, não apenas de terras, mas de tradições e de culturas. E são essas culturas que, mais tarde ou mais cedo se confrontam. Eilan, nascida entre os druidas, faz votos à Deusa e torna-se sacerdotisa, perpetuando, desta forma, a devoção às tradições druidicas. Vive, contudo, dividida entre dois mundos. Antes de ser cerimonialmente escolhida como a grã-sacerdotisa, Eilan ouve a voz do amor pelo jovem romano Gaius Macellius, cuja missão é submeter a sua terra nativa e todos os seus costumes.
Gaius, de sangue meio romano, meio Silure, conhece bem a ténue ponte de conflito entre as antigas tradições e a nova ordem romana que tenta impor-se. Mas isto não o impede de se apaixonar por Eilan, a quem gera um filho, o mesmo que os irá separar pela impossibilidade da concretização de um casamento entre um romano e uma sacerdotisa. Mas é este filho que os une para sempre nos seus corações, porque ambos têm de encontrar o caminho para fora da encruzilhada na qual as diferentes culturas os colocam.
Gaius tinha sido educado a ouvir velhas histórias de César sobre sacrificios humanos e as lendas de Guerra que tinham sido travadas para subjugar o culto druida na Bretanha e na Gália. Aqueles que ainda restavam do velho culto estavam controlados pelos éditos romanos, mas podiam provocar tanto transtorno como os cristãos, a nova seita que galgava por toda a Bretanha e cada vez ganhava mais seguidores. A diferença era que os cristãos recusavam-se a adorar o Imperador e os druidas podiam incitar a uma Guerra santa.
Um livro apaixonante e intenso, no qual mergulhamos nas antigas tradições druidicas, nos espectáculos públicos romanos, e na ascensão do cristianismo por toda a Bretanha. Lemos o eterno conflito dos povos e culturas, o alvorecer de novas Ordens e o declínio de outras. Neste livro, fazemos uma viagem na história e ao Credo dos povos, aos corações dos homens e ao eterno milagre da vida.

05/02/08




"Você pode encontrar as coisas que perdeu, mas nunca as que abandonou."





"Muitos que vivem merecem morrer. Alguns que morrem merecem viver. Você pode lhes dar a vida? Então não seja tão ávido para julgar e condenar alguém a morte, pois mesmo os mais sábios não podem ver os dois lados."

Gandalf, em The Lord of the Rings.

A História de Yalda



Autores: Yalda Rahimi e Marion Ruggieri


A história que nos conta Yalda Rahimi é a sua própria história pessoal. Com apenas 17 anos parte do Paquistão, onde é refugiada, para França, Paris. Do véu ao jeans, dos talibã aos cafés parisienses, o relato da vida na Europa de uma jovem afegã. Ao chegar a Paris, o choque é brutal, desde a temperatura do ar às roupas ocidentais. Pela primeira vez vê-se confrontada com a outra face da vida, a do desconhecido e imprevisto. Yalda começa a descrever a sua experiência em Paris num caderno e através da sua escrita, vamos conhecendo não apenas a cidade, como todos os seus sentimentos relativamente ao lugar. Muitas vezes ela questiona-se sobre a própria condição humana da existência e sobre o propósito de vida de cada um de nós. Ela revela-nos também os contrastes impressionantes entre dois universos contemporâneos, abrindo-nos uma porta para uma realidade que nos é totalmente estranha e nos leva a olhar para o nosso próprio mundo, mostrando-nos tudo aquilo a que não prestamos atenção na nossa vida quotidiana. Entretanto, as saudades que sente da família preenchem-lhe o vazio de muitos momentos solitários. A solidão para ela é dificil de compreender e muito mais dificil de viver quando se está rodeada pelas pessoas que se ama por anos a fio. A familía é a base da sua existência, é por ela que luta, sem esquecer a sua própria individualidade. Este novo conceito de personalidade própria que aprende e apreende longe do seu país e da sua cultura, dá-lhe a ferramenta necessária para escolher o seu próprio futuro. Yalda Rahimi estuda actualmente em Paris, onde está a tirar um curso de Comércio Internacional, e pretende voltar ao seu país para ajudar na sua reconstrução.O livro é apaixonante, tocante, e revelador. O mundo que pensamos existir para lá das nossas fronteiras ganha outro significado. No decorrer da leitura, não julgamos, simplesmente aprendemos a ver o outro de maneira diferente.

17/01/08

Um primeiro olhar sobre Paris...



Estive há alguns anos em Paris. Tinha então 14 anos e fui numa excursão. Lembro-me de ter feito a desconfortável viagem até lá numa Toyota Hiace, a mesma na qual perdi o conto às horas que iam passando. Sei apenas que demorámos imenso tempo a chegar lá. Não me recordo de, naquela altura, ter tido qualquer deslumbre em relação a Paris. Lembro-me de, naquela altrura, ter visitado o Sacré-Coeur, um monumento imponente, mas, diga-se de passagem, nada mais.

Voltei a Paris com 38 anos, pela altura do Natal. Mas desta vez a viagem durou apenas 2 horas de avião e viajei na companhia de uma pessoa sobre a qual falarei mais tarde.

Levei uma bofetada de frio quando respirei o ar parisiense. Estava um frio de rachar quando saí do avião. Já os prudentes me tinham avisado sobre o frio que se faz sentir naquela cidade, mas não fiz caso...enfim. Prudências meteorológicas à parte, observei o céu cinzento de Paris, o mesmo que não deixei de vislumbrar nos dias que se seguiram ao da minha chegada.
Quando conseguimos apanhar um táxi que nos conduzisse até à casa onde iriamos viver nos próximos tempos, percebi que o meu francês era péssimo. Eu mal consegui dizer uma palavra. Mas não desanimei, até porque teria algum tempo livre para reaprender o meu francês.

Comecei a vislumbrar os enfeites de Natal por todos os lados, fios de luzes ligando ruas entre si, árvores iluminadas, anjos coloridos e enfim, uma panóplia de cores indescrítiveis pelas ruas. A noite caía como um manto às 4 horas da tarde, lentamente, e as luzes de Natal ficavam ainda mais brilhantes.

Fiquei com vontade de sair pelas ruas de Paris logo pela manhã, de pisar a cidade das luzes e apreender-lhe o nome e respirar o aroma das ruas e da sua história. Havia tanto para ver numa cidade antiga, mas antes de olhar para os lugares, tenho o péssimo defeito de olhar para todas as pessoas que passam e que se cruzam comigo. Por vezes tenho a sorte de ser correspondida com um sorriso vindo de um rosto simpático, noutras sou prudente demais para olhar directamente e olho-as de soslaio.

Mas em Paris aprendi, logo à chegada, que era preciso ser prudente, em primeiro lugar, com o sitio onde punha os pés. Não podia andar nas ruas a olhar para cima, tinha de dobrar constantemente o pescoço para olhar para o chão, pois, pareceu-me, que uma pequena distracção podia indispor-me para o resto do dia. As ruas de Paris estão sujas, quiçá arrisque a dizer imundas e inundadas com caca de cão. Parece que todos os parisienses são muito zelosos no trato com os animais domésticos, mas parece-me que não o são com as suas ruas, jardins e passeios. Os passeios são largos e o trânsito infernal. Nunca havia visto semáforos a regular o trânsito de 200 em 200 metros. Diga-se de passagem que tem os seus benefícios no que respeita às velocidades, mas bloqueia o trânsito. Pela primeira vez, observei que era necessário dar prioridade aos veículos que entravam pela direita nas rotundas, mesmo que o nosso veículo se encontrasse já a circular no interior da rotunda. Há semáforos nas rotundas e quatro faixas para circular. Uns dirão que este sistema é organizado, outros, ouvi dizer, é um sistema que provoca o caos. Percebi que era melhor aprender sobre as redes de metro e de autocarros. Não me imaginava a conduzir no caótico trânsito de Paris. Tentei uma vez, mas passei a bola no primeiro semáforo.